Quando José Saramago assistiu à adaptação cinematográfica de seu Ensaio Sobre a Cegueira, disse ter gostado mas que “faltou cocô”. Seu comentário pode ser interpretado como uma referência a uma assepsia estética de cunho comercial que alterava conceitualmente a obra. O mesmo pode ser dito sobre a estreia brasileira do festival espanhol Primavera Sound, que após se render aos tubarões do mercado de shows, ampliou em 2022 sua expansão internacional com edições nos EUA, Argentina, Chile e Brasil, que agora se somam à edição portuguesa e à matriz espanhola, que em 2023 também terá uma edição em Madrid pela primeira vez.
Um dos principais atrativos do Primavera Sound sempre foi a curadoria afiada que mesclava não só artistas em turnê em determinado ano com nomes fora do radar, sejam eles novidades que começaram a despontar no underground ou representantes de outras eras. Além dos headliners que atraem multidões, uma série de artistas de médio porte e outros em ascensão e de vanguarda formaram suas programações ao longo das duas últimas décadas. Pense em circular por uma grande área em frente ao mar mediterrâneo e em um intervalo de horas assistir a shows de indie, eletrônica de vanguarda, pop, trash metal, k-pop e rap e tudo fazer sentido.
Em Barcelona, claro, a cidade e o local de realização do festival, o Parc del Fórum, são atrativos à parte. No Porto, o festival tem uma edição “de boutique”, segundo seus próprios produtores. Realizada em um grande parque e sem ambição de ampliar seu público, a edição portuguesa do Primavera é menor, sem as principais e mais caras atrações que se apresentam na Espanha, mas possui um conceito bem definido e programação que reproduz, em escala reduzida, o line-up espanhol.
No Brasil, o festival ficou no meio do caminho. Segue sendo um festival urbano, mas seu recorte estético é mais limitado, mais próximo de um Lollapalooza (o que não pode ser bom) do que um Pitchfork Festival ou um All Tomorrow’s Parties. Faltou sujeira, ousadia, experimentação e, em contraponto, sobraram artistas pop em confluência com as tendências de mercado, de shows bonitos esteticamente e sem risco.
Não por acaso, Arca foi um dos melhores e mais incríveis shows do Primavera. Sua performance foi a materialização do que tornou o Primavera um dos melhores festivais do mundo. Em pouco menos de uma hora, uma mistura pesada de estilos e referências, sem medo, enérgica, criativa e estimulante. Mas, antes de destrinchar a edição brasileira do Primavera Sound, vale fazer um…
Breve histórico
O Primavera Sound começou a ser realizado em 2001, em Barcelona. Naquele ano, cerca de 7 mil pessoas compareceram ao evento, na época com apenas um dia e programação marcada pela música eletrônica (Unkle e djs como Carl Craig e Armand Van Helden estavam na programação). A partir de 2002 o festival investiu mais no indie rock e na música alternativa, criando uma estética que por anos seria uma de suas marcas registradas (exemplos disso são alguns nomes que tocaram naquele ano, como Aphex Twin, Pulp, Spiritualized, Violent Femmes e Le Tigre). Quase duas décadas depois, em 2019, o comparecimento do público subiu para 220 mil pessoas no festival, que se estendeu por 7 dias e em diferentes espaços de Barcelona. O retorno pós-pandemia, em 2022, viu o público subir para 450 mil pessoas esgotando todos os ingressos para dois finais de semana de festival, fora uma série de shows por toda a semana.
No decorrer das duas primeiras décadas dos anos 2000 o Primavera Sound expandiu-se para outros países e se desdobrou em novos projetos, como o Primavera Pro (conferência e encontro de profissionais da indústria musical, promovido desde 2010 e onde dei uma palestra este ano), Radio Primavera Sound (uma rádio online no ar desde 2018), Primavera Tours (realização de shows de artistas diversos na Espanha, ao longo dos anos), Primavera Labels (um selo musical iniciado em 2013), Primavera Weekender (um festival premium, para menos pessoas, realizado em um resort), a Fundação Primavera Sound e até mesmo uma agência de publicidade, a Vampire.
A primeira edição do festival fora da Europa estava programada para ser realizada em 2020, em Los Angeles, nos Estados Unidos, como parte da celebração de seus 20 anos de existência, e teve que ser cancelada devido à pandemia da Covid-19. Antes, no entanto, o festival já havia migrado para outro país europeu. Desde 2012 o Primavera Sound é realizado na cidade do Porto, em Portugal. Uma das particularidades da edição portuguesa do festival é que um patrocinador complementa a nomenclatura do evento. Em 2012 e 2013, o evento foi intitulado Optimus Primavera Sound, sendo substituído por Nos Primavera Sound de 2014 em diante, devido à mudança de nome da empresa de telecomunicações patrocinadora do festival.
A edição portuguesa do Primavera Sound é classificada como um festival boutique por seus realizadores. “Após anos em Barcelona organizamos a primeira edição no Porto para aproveitar artistas em turnê, mas é um tipo diferente de evento; o que fazemos em Portugal é um Primavera boutique, mais bem cuidado, menor e com sua própria personalidade”, afirmou Alberto Guijarro, diretor e um dos fundadores do Primavera Sound. Alfonso Lanza, outro diretor do festival, considerada a edição portuguesa como “gourmet” e complementa: “O principal atrativo do festival é o cartaz e ele está lá [no Porto], simplesmente aqui [Barcelona] é maior”. As diferenças entre as edições espanhola e portuguesa do Primavera Sound são destacadas com bom-humor em matéria no site da revista Blitz:
No Porto passeia-se, em Barcelona atropela-se… no Porto há quatro palcos onde toda a gente consegue ver o que se passa em cima deles (mesmo que chegue em cima da hora), em Barcelona há engarrafamentos que se confundem com o público de um palco; no Porto a distribuição do cartaz é como um repasto de onde nunca se sai mal disposto, em Barcelona há um buffet de casamento, onde se deixa de comer o marisco porque já nos empanturrámos com leitão”.
A iniciativa de realizar o festival no Porto não surgiu de seus fundadores espanhóis, mas sim do produtor português José Barreiro, da produtora cultural Ritmos. “Era um fã do Primavera Sound, aliás era espectador do Primavera Sound em Barcelona e foi ele que apresentou a proposta de criar o festival no Porto”, contou Alfonso Lanza em entrevista ao site Comunidade Cultura e Arte. Em outra entrevista, Barreiro explicou que os realizadores do Primavera Sound são sócios do evento em Portugal e que as decisões são tomadas em conjunto: “Nós não temos simplesmente uma marca, temos uma organização que também faz parte dela Barcelona”. Essa informação é importante para se ter em mente que o Nos Primavera Sound replica os preceitos de seu evento matriz, buscando manter a mesma identidade, conceito e posicionamento.
“Aquilo que nós quisemos fazer cá e que estamos a tentar fazer cá, é uma seleção de bandas que, dentro do nosso orçamento, obviamente, tenha a matriz e o ADN (DNA, em português brasileiro) do Primavera”, afirmou Barreiro, que completa dizendo que “o conceito Primavera Sound é mais do que bandas a tocar num espaço, é uma maneira de estar na vida”.
Primavera 2022
Foram tantos shows e tantos palcos no Primavera Sound de Barcelona em 2022 que uma das coisas mais legais foi a possibilidade de existência de diversos festivais dentro do próprio festival. Cada pessoa monta sua programação, podendo resultar em experiências totalmente diferentes. Em vez de acompanhar as atrações nos palcos principais, como a volta do Pavement, The National, Beck, Tame Impala, Gorillaz ou Nick Cave, o meu Primavera teve Autechre, Lightning Bolt, The Armed, Napalm Death, Moin (meus cinco shows favoritos do festival) e outras bandas como Black Midi, Tropical Fuck Storm, Idles, King Gizzard and the Lizard Wizard, Warpaint, Sharon Van Etten, Les Savy Fav, Bauhaus, Blawan, Fontaines D.C, Za! e muitos outros. Apenas no último dia do primeiro fim de semana pisei na área dos palcos principais, sem que isso fizesse falta alguma (por lá, peguei Einstürzende Neubauten e Tyler, The Creator – vejam bem o salto estético no mesmo palco). Circular pelo festival é ter a certeza de descobrir novos e empolgantes artistas dos quais você dificilmente tenha ouvido falar antes, de bandas de metal de nicho aos DJs e bandas selecionados pela NTS, em um dos mais afiados exercícios de curadoria entre os palcos do Primavera.
PAUSA PARA ANOTAÇÕES FEITAS NO CELULAR
100 Gecs é música infantil feita por e para adolescentes americanos criados no Youtube desde bebê. Parece bom por alguns segundos e depois se mostra tão ruim, mas tão ruim, que parar para assistí-los tem aquela aura mágica, quase como assistir a um acidente. A velocidade deles é de duas músicas boas por hora. Uma banda conceitual que só é boa quando termina.
Só não é pior do que Fred Again, que infelizmente peguei durante o caminho entre um show e outro, e é a música mais sem identidade que já ouvi no festival. Dessa vez as lojas de departamento foram longe demais e além de patrocinarem os eventos, estão até em cima do palco. Se H&M, Zara, C&A, Renner e outras lojas se juntassem como um Megazord (ou um Transformer, sei lá) e se materializassem numa pessoa, o resultado seria esse cara.
The Armed foi uma surpresa gigante ao vivo. Iconoclasta. Identifica e reúne os estereótipos visuais e sonoros do seu tempo e os ironiza de forma genial. A performance roqueira elevada ao extremo como sátira.
Pouco antes do Lightning Bolt começar a tocar um gringo fala com a pessoa ao lado: “espero que eles toquem os hits”. A piada é boa e o show entra definitivamente nos melhores da minha vida. Apenas duas pessoas criando um caos sobre-humano à beira do mar mediterrâneo. Deus é bom o tempo todo.
Idles tem seus bons momentos, mas em parte é superficial e forçado, como garotos ricos pagando de punks.
Autechre tocou no auditório completamente escuro, zero luzes, e ainda assim as pessoas sacaram seus celulares para filmar o vazio. Fechei os olhos e ri (deles e de felicidade).
As pessoas usando protetores auriculares me lembraram do zumbido pós-shows no início da vida adulta. A sensação de que uma parte de mim se perdia em cada noite e tornava aqueles momentos ainda mais especiais.
No Porto, uma das vantagens é maior tranquilidade em assistir aos shows. Enquanto em Barcelona o festival é tomado por ruidosos turistas ingleses, na edição portuguesa a própria dinâmica do Parque da Cidade, com seus relevos naturais e amplo espaço, ajuda na visibilidade e na circulação.
Esse ano, no entanto, o festival pareceu também ter ampliado seu público, não só em quantidade como em termos de pessoas menos conectadas com os estilos musicais abrangidos pelo evento. Durante o show do Tame Impala, uma das principais atrações, um homem me perguntava o nome daquela banda. Vale dizer, inclusive, que o Tame Impala caminha para uma Coldplayzação e a melhor coisa que posso dizer sobre seu show é que as luzes são bonitas. Poder ver com certa tranquilidade Pavement, Nick Cave and The Bad Seeds, Beck, Interpol e Gorillaz foi possível em Portugal e impensável em Barcelona. Fora dos headliners, a programação perdeu muito em relação a Barcelona. Entre os shows mais interessantes que se repetiram em Portugal estavam Kim Gordon, Grimes (que fez um DJ set eufórico), Nídia, Black Midi e Dry Cleaning, além dos headliners Pavement e Nick Cave.
Em São Paulo, destaco os shows de Arca, Beak>, Boy Harsher, Jesse Ware, Jpegmafia e Sevdaliza (infelizmente perdi o show da Chai, destacada na imagem ao lado). Arca teve um início estranho, meia hora antes do que o anunciado, deixando em aberto se ainda era uma passagem de som ou o início da apresentação. Com discografia extensa e mutante, os momentos mais pesados e experimentais do shows pareceram deixar parte do público deslocado, mais disposto a ouvir as músicas mais dançantes. Mesmo assim, êxtase total e um dos shows mais comentados. O encerramento, ao som de “How beautiful could a being be“, do Caetano Veloso, foi uma surpresa e mais uma mostra de sua versatilidade. Outra surpresa foi o DJ set na parte final do show de Sevdaliza, quando ela tocou de Prodigy e New Order ao hit cafona “L’amour toujours“. Sucesso.
O palco Elo, em geral, foi um grande acerto tanto em sua localização e estrutura (a arquibancada salvou) como na escolha dos artistas. Lá, Boy Harsher e sua vibe dark oitentista funcionou melhor no Brasil do que em Barcelona, quando tocaram às 4h da manhã para um público já cansado. O Elo poderia ser considerado o palco “alternativo” do festival, onde também tocaram as más Badsista e Bad Gyal, entre outros. Uma pena Beak> ter tocado tão cedo e durante o dia. A banda ganha muita força ao vivo e merecia maior destaque.
Enquanto o palco Elo se mostrou um acerto, o palco Beck’s, que recebeu algumas das principais atrações, foi um erro. Montado em espaço estreito, comprido e com muitas árvores, teve sua visibilidade e audição prejudicadas (as torres de delay chegavam sem pressão no fundo). Complementando, a área vip montada em uma das laterais resultou na concentração de mais pessoas na área coberta por árvores. Por lá, assisti apenas ao surpreendente show da Jesse Ware e ao show protocolar do Arctic Monkeys, no qual todas as músicas foram executadas desacelaradas em relação às versões originais e, em alguns casos, com novos arranjos para uma única guitarra, perdendo força. Alex Turner, aos 36 anos, é tão convincente como crooner quanto uma cópia de uma cópia de uma cópia (para ficar na referência a um de seus parceiros de programação no Primavera Sound de Los Angeles).
Viagra Boys, que tinha tudo para ser um dos melhores shows do festival, e Gal Costa tocando o disco Fa-Tal, no que poderia ter sido o último show de sua vida, foram duas perdas gigantes. No caso do Viagra, sequer uma justificativa foi apresentada. Sua ausência é ainda mais pesada por representar o tipo de banda que é a marca do festival: ainda alternativa mas em nítida ascensão e que provavelmente seria uma descoberta para a maior parte do público.
Björk fez um show que gerou controvérsia, principalmente entre aquelas pessoas com menos intimidade com sua obra. Acompanhada da paulista Orquestra Bachiana, grande parte do repertório apresentado foi do disco Vulnicura, do qual Arca foi uma das parceiras e co-produtora em algumas faixas. O formato orquestral não é um problema, conforme disseram algumas pessoas, mas talvez o repertório escolhido não tenha cativado tanto pela ausência de alguns hits. Nas músicas mais famosas, como “I’ve seen it all”, trilha de Dançando no Escuro (dirigido por Lars von Trier e protagonizado pela própria Björk – só de lembrar já faz chorar) e “Hyperballad” era nítida a transformação na resposta. Difícil pensar em um momento mais transcendental do que a execução de “Jóga” ali. Curiosidade: você sabia que o Brasil é a ponte entre Björk e Justin Bieber? Os arranjos de cordas originais de “Jóga” e das outras músicas do álbum Homogenic tocadas foram feitas pelo brasileiro Eumir Deodato que, além de tudo, é avô da Hailey Baldwin (filha do Stephen Baldwin e esposa do Justin Bieber). Fim do momento Choquei. ¯\_(ツ)_/¯
Em relação aos shows nacionais, meus sócios disseram que Amaro Freitas (foto ao lado) e Hermeto Pascoal destruíram e confio nas resenhas. Além dos dois, nomes que fugiram do óbvio, como Mc Dricka, Don L, Tasha & Tracie e a dupla apresentação de Badsista (DJ set e com banda) foram boas escolhas, enquanto Medulla e Jovem Dionísio causam vergonha alheia só de lembrar que estavam no festival. Terno Rei e Tim Bernardes, apesar de obviedades, são hoje os maiores artistas indie brasileiros (Tim ainda pode ser considerado indie?), representando bem a cena (paulistana, ao menos).
Surpreendeu, negativamente, a presença de uma banda de pop rock de tiozões como Los Planetas e não outros nomes espanhóis contemporâneos que acrescentariam muito mais musical e esteticamente, como Marina Herlop (uma das artistas mais criativas da atualidade, integrante do selo do próprio Primavera Sound, o Primavera Label), Za! ou Mourn (esta, ainda com o adicional de conectar ao passado indie, a renovação da cena de bandas centradas em guitarras e o protagonismo feminino). O que dizer, então, sobre trazer um monte de alemães para tocar versões de hits em cumbia enquanto há um número ínfimo de artistas sul-americanos na programação? Señor Coconut and His Orchestra fizeram um bom show, mas é preciso a validação europeia para que um gênero forte na América Latina esteja representado? Arca e Föllakzoid são nomes já consagrados internacionalmente, já “validados” pelo olhar (ou, nesse caso, ouvidos), europeus. A ausência de mais nomes sul-americanos mostra uma falta de interesse e/ou desconhecimento da música produzida no continente atualmente.
A operação de bar em São Paulo HUMILHOU a dos festivais em Barcelona e no Porto. Muitos pontos espalhados por todo o local, muito atendimento móvel. O mesmo em relação aos caixas, onde era possível carregar a pulseira de consumo (outro gol do festival foi a possibilidade de colocar créditos na pulseira previamente e já poder consumir logo ao chegar ao festival, sem fila alguma). De negativo, a cobrança de uma taxa de R$10 para receber de volta os créditos não gastos na pulseira.
Em Barcelona, no primeiro dia de festival este ano, as filas nos bares eram tão grandes que pessoas passaram shows inteiros esperando pelo atendimento ou simplesmente ficaram sem beber (como eu). Em alguns pontos havia um sistema de autoatendimento que gerou mais filas do que poupou tempo. Economizar nos bares me parece uma economia das mais burras: estrutura e mão de obra são baratas e quanto mais fácil for o acesso às bebidas, mais o público irá consumir. No Porto, o bar de vinhos tinha uma dinâmica amadora na qual poucos atendentes abriam as garrafas, explicavam sobre os muitos tipos de vinhos disponíveis (paralisia de opção) e serviam. De novo, longa espera para ser atendido.
Em relação ao transporte, as edições europeias se saem muito superiores, reflexo da qualidade do transporte público nas cidades. Apesar de distante da região central de Barcelona, o Parc del Fórum é facilmente acessado via metrô ou ônibus. Na saída do festival, o metrô está em funcionamento e o festival fornece ônibus gratuitos até um ponto central de Barcelona. Caso não queira esperar nas longas filas, o mesmo percurso à pé leva uma hora (sei bem por experiência própria). Já no Porto, é possível ir para o festival de metrô ou ônibus e, na saída, há uma linha de ônibus especial (paga) para levar o público de volta à cidade. Em São Paulo, a saída foi caótica. Havia uma linha de ônibus (pago) do festival ao Terminal Tietê, mas o metrô só funcionava até meia-noite. Como os shows terminavam às 2h, a solução para muitos foi esperar por até uma hora para conseguir um carro por aplicativo (e pagar tarifas 4x mais caras que o normal).
Estrutura
Os banheiros em São Paulo também foram superiores aos europeus. A escassez de sanitários em Barcelona este ano foi tanta que no fim das noites ingleses as pessoas mijavam por várias áreas do Parc del Fórum. No Porto, a vantagem era que havia uma boa equipe para manter os banheiros limpos (raridade em festivais), mas sua quantidade poderia ter sido muito maior. Uma dica de ouro: tanto em SP como em Barcelona, caso você precise fazer um 2 durante o festival, os melhores lugares são os banheiros dos auditórios (o Rockdelux, em BCA, e o Auditório Elis Regina, em SP), em alvenaria, limpos e sem fila. E com muitos espelhos pra verificar o shape depois do esforço. SHOW.
Outro ponto que me chamou atenção em SP foi a aparente ausência de seguranças parrudos e mal encarados, exceto na revista inicial na entrada. O que se via eram muitas pessoas de porte normal, com coletes de identificação, fazendo o controle e segurança, tornando a relação com o público menos opressiva e mais amistosa. Em Barcelona, a revista na entrada era brusca, até mesmo com cães farejadores e, em uma cena ultrajante, vi seguranças abrindo a carteira de um homem preto e fuçando entre seus documentos (o mesmo não foi feito com nenhuma outra pessoa por perto).
Apesar do ingresso caro para a realidade brasileira, os preços das bebidas dentro do festival foram acessíveis. R$15 por uma Beck’s[1] é mais honesto do que o que se costuma encontrar em outros festivais, quando é cobrado valor semelhante por cervejas muito piores. Os drinks por R$30 não eram ruins e havia muitas opções de alimentação, tudo com atendimento rápido. E para quem estava disposto a pagar mais por uma cerveja melhor, havia, escondida atrás da arquibancada, um trailer da Goose Island, mais uma das mil marcas da AB InBev. A plataforma de carregamento da pulseira ainda gera dados do consumo individual de cada pessoa, o que vale ouro para produtores identificarem os hábitos de consumo dos frequentadores de seus eventos. Por outro lado, o guarda-volume por R$80 era chamar o público de otário sem a menor vergonha.
Conclusão
Semanas atrás, a impressão era de que havia grandes chances do Primavera Sound São Paulo flopar. Parte do público-alvo não demonstrava interesse, as entradas não esgotaram e viam-se aos montes pessoas vendendo seus ingressos. Não havia uma sensação de euforia em relação ao evento. No entanto, o público presente foi grande (110 mil pessoas somando os dois dias, segundo os realizadores) e o resultado foi bastante positivo. No mercado de festivais musicais de grande porte no Brasil, disputando com Rock in Rio (que parece se esforçar para cada vez fazer uma programação pior e mais repetitiva que a outra) e Lollapalooza, o Primavera Sound é disparado o melhor. Mas, conhecendo seu histórico, sabemos que ele pode fazer muito mais do que o que entregou este ano.
notas
Foto de destaque na capa do site, do show do Tyler, The Creator e do Les Savy Fav, ambos no festival em Barcelona este ano, são de Sharon Lopez. Fotos do Amaro Freitas e Chai no Primavera Sound SP são da agência Pridia.
Alguns outros pontos que achei que poderiam ficar deslocados no corpo do texto:
– A resolução do telão no palco Primavera era incrível. As imagens durante os shows do Beach House, Björk e Phoebe Bridgers ficaram espetaculares. Por outro lado, a equipe audiovisual dos palcos Elo e Beck’s deixaram muito a desejar, com cortes e enquadramentos amadores.
– Também falo sobre o festival Primavera Sound em dois outros textos aqui no site: Os grandes conglomerados do mercado de festivais e Festivais de música: como chegamos até aqui? Recomendo, humildemente, a leitura.
1 Falar em bebidas me fez lembrar de quando algum JÊNIO do marketing decidiu que Skol combinava com música “independente” e a partir daquele momento na maioria dos festivais alternativos você precisava beber aquela cerveja que parecia um Guaraná Antarctica deixado destampado na chuva por uma semana.
carai, melhor cobertura, d longe!